sábado, 2 de agosto de 2008

quinta-feira, 26 de junho de 2008

AMIGOS ACHADOS E PERDIDOS(texto de: H.ALEXANDRIA)

Vez ou outra vejo nome de conhecidos ( conhecidos mesmo, da vida real), visitando minhas páginas do orkut... Alguns nunca mais voltam, nunca mais respondem meus recados... parece que ficam quietinhos em respirar a olhar meu nome de soslaio... tentando entender "que bicho é este"... Vez ou outra arriscam uns ou outros "dizeres", quer frase "mais pronta" quer versículo bíblico? Mas quando retribuo com minhas frases, de minha propria autoria, e nao de algum discípulo ou mestre que nem se existiu... eles nao retrucam. Um amigo me disse que é falta de argumento, pq se pensar bem, meus argumentos são imbatíveis... obrigada a este amigo, mas eu acho mesmo é que eles nao respondem pq têm medo, nao de mim, mas de eu ter parte com o "coisa ruim"...
Gente imbecil, babaca, pequena...
(H.Alexandria)

compreenda...

Deixai esta discordância propositada, entre os pronomes tu e vós e a conjugação de seus verbos, fica legal... parecido com os discursos de crente...

Bem vindos ao Nada!

Sejam muito bem vindos! Ao Nada...
Despi-vos de todas suas roupagens e olhai-vos no Grande Espelho que vos revela, o nada que sois!
Entrastes aqui à procura de respostas, gostarias de ouvir, que és o Escolhido dos deuses, com eterna recompensa de paraíso, onde exibirás por toda eternidade a Sua importância... pois, buscando descobrir-te, acabaste por revelar-se...
Eis o que sois... Nada!
Tal realidade é dura demais a vós, humano? Por isto entendo que devaneies em mil sonhos de ilusões... acalento de consciência e sossego da inquietude.
Teu mal é feito por teres consciência, por se saberes mortal... Quão feliz não serias se tua consciência nao te lembrasse dia após dia, de que não viverás! Que seus amados nao viverão, e que tua existência terá no tempo a mesma significação do instante que a folha se desprendeu do galho e foi levada pelo vento, até um solo úmido para se decompor.
Tal realidade é triste demais para vós? Quantos humanos já existiram, respiraram, sonharam, e como você, experimentaram a alegria e a dor, e hoje onde estão? No céu? Ou dormindo um doce sono bíblico-cristão, para despertar com harpas de anjos e subir tomar posse de sua coroa de glória, a verem seus "inimigos" queimando num fogo de enxofre, e sorrir pelo desfecho?! Como sois bondosos em vossa imaginação para convosco proprios e como sois maldosos nesta mesma imaginação para com os outros.

Até quando?( texto de: H.Alexandria)

Até quando estarei por aqui? Seja muito ou pouco tempo que me resta, de qualquer forma é um instante só... como um instante só foi a vida de cada humano ido...
Por mim eu iria ja... mas pela prole a gente vai querendo ficar, sempre... ainda mais quando a prole consiste num único indivíduo...
Porém um dia, queira ou não, eu irei, como minha mãe foi, como meu pai foi, como os pais dela foram, como toda a humanidade que já foi...
A lembrança que quero deixar é de uma pessoa meio doida mesmo, (já não me incomodo que vejam assim), alguém que um dia, ou quase todos os dias, quis ser normal, se estabelecer em algum padrão existente, e acabou decidindo, que melhor era ser doida, pois para isto nao precisava nenhum esforço. Bastava ser ela mesma, autêntica!!!
Os últimos dias de Hipácia... estou escrevendo... quantos dias serão, eu nao sei...Talvez sejam parecidos com os de Nietzsche, mergulhado numa loucura vazia, a enrolar o bigode, ou a nem ter consciência mais do proprio bigode... talvez eu venha a imaginar que tenha um bigode, e comece a enrolá-lo em minha demência e a pensar que sou Nietzsche.
Sempre imagino a angústia que grandes homens, como Schopenhauer, Nietzsche, keikegaard e outros, entre eles alguns místicos ,( todos na realidade foram meio místicos, buscando além da aparência das coisas visíveis e palpáveis, sem no entanto se enganarem que encontraram, esta é a diferença destes com os que se enganaram e se contentaram...) Os primeiros sentiram o eco de seus próprios pensamentos a indagar sentidos e o vazio lhes responder com nada, numa imensidão de mesmice e desesperança.
O homem comum não precisa encontrar sentido, não pelo menos um palpável, comprovável... ele inventa e se contenta... e chama a isto de fé, pronto... se tornou feliz.
Que miserável o humano que não se contenta com discursos emotivos, nao acha consolo na consolação inventada, e que nao entrega dez por cento do seu dinheiro, só porque se sente feliz rezando.
Tão fácil ser crente, para que tanto orgulho por sê-lo? Difícil mesmo é não sê-lo, não conseguir sê-lo, porque a razão quer respostas, que a imbecilidade e a fraqueza humana e a exploração de sentimentos, não pode dar...
(H.Alexandria)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Okaidô! por Antonio Fais

Okaidô! por Antonio Fais

Dono de gado, lojas, fábricas, terras, prédios pelo Brasil afora, até no exterior, Cândido tornou-se um homem rico. Ninguém perguntava de onde vinham ele e o dinheiro, até por que, quando é muito, pouco importa de onde vêm.

Em Minas, onde mora, poucos sabem como enriqueceu e em São Paulo, onde tem os seus negócios, creiam-me, ninguém sabe que é rico!

Chegou a Uberlândia há cerca de dez anos, havia passado por vários lugares, ganhado e perdido dinheiro, quase sempre por causa de mulheres, pois quando não se tem muito, custa para tê-los, falo, nesta ordem, do dinheiro e das mulheres.

De família simples, pouco estudou. Começou a trabalhar cedo. Aprendia rápido e foi ajudar a consertar os tratores e carros na fazenda em que morava em Brodowsky. Todos gostavam do menino, principalmente os mais velhos, que adoravam seu ímpeto.

A vida na fazenda não durou muito, precisava de platéia e mudou-se, aos dezesseis anos, para Ribeirão Preto. Trabalhava como mecânico. Ganhava bem, mas gastava tudo.

Aos vinte, querendo pôr ordem na vida, casou-se, montou sua oficina, teve filhos e, como a mulher não o deixava gastar, ficaram bem de vida. Mas, como sempre seria seu futuro, sem querer me adiantar na história, com algum dinheiro, voltaram as mulheres. Separou-se, ficando pobres novamente.

Retomando, pois bem era verdade que trabalhava muito, com alguns sócios, montou outro negócio. Enriqueceu e, novamente, perdeu tudo, só desta vez por causa dos sócios e o contador. Percebeu haver mais formas de se perder dinheiro e que algumas, ao menos, por algum tempo, davam prazer!

Foi tentar a vida em Goiás. Montou uma oficina de tratores e, em troca de dívidas, conseguiu um trator, logo se tornando dono de uma terraplanagem que novamente o enriqueceu. Casou-se, mais filhos, mais dinheiro, mais mulheres, mais separações, mais problemas...como sempre foi e seria sua vida.
Com o único bem restante, um carro, mudou-se para Uberlândia; vendeu-o, comprou outro, vendeu, comprou outros e já tinha um comércio de carros. Porém, alguns negócios mal feitos e lá estava, novamente quebrado.

Assim chegou àquela noite que mudaria definitivamente sua vida.

Entrou na Igreja e sentiu-se confortado por haver mais desgraçados por aí. Tinha lá uma sopa que, se não muito consistente, nem muito quente, ao menos aquietava o estômago.

Falava um pastor, mas não lhe deu muita atenção. Lembrava-se da infância, da escola dominical, onde ouvia histórias do evangelho e aprendera a ler, que ainda, como veremos, serão de grande utilidade.

Foi ter com o Pastor. Não tinha a menor intenção de se converter, mas quem sabe arrumava um bico. Em uma conversa sincera, contou seu passado, pediu ajuda. O Pastor, profundo conhecedor do homem (e das mulheres também), percebeu a sinceridade e, principalmente, o potencial deste, capaz de convencer qualquer um de seus propósitos. Decidido a ajudá-lo, disse:

– Deus escreve certo por linhas tortas. Ele o mandou a mim para, juntos, salvarmos almas pecadoras. O trabalho que vou lhe dar é de extrema importância e não pode ser confiado a qualquer um. Você tem que prometer ser fiel apenas a mim e, por conseqüência, a Deus.

– Eu prometo – prometeria qualquer coisa.

– Pode viajar hoje comigo?

– Posso.

– Você será meu caidor.

– Caidô? – Disse sem obter resposta.

Sem pegar nenhum pertence, seguiu de avião a São Paulo, lugar mais seguro para principiantes desta profissão. Foi instruído durante a viagem sobre o trabalho. Lá também tomou sua primeira refeição decente depois de dias: o café da manhã de um hotel cinco estrelas! Foram-se aí as dúvidas se seria ou não capaz de exercer tal papel: caidô.
No monumental templo da Igreja, lotado, depois de uma hora de pregação, entra Cândido, gritando, blasfemando, possuído, até que o Pastor acerta o endemoniado e ele cai... como ninguém! Foi de cidade em cidade, após esse dia, o melhor caidor que apareceu. Foi o que lhe valeu o apelido, em cada novo lugar que chegava: O Caidô!

Assim, tornou-se o caidor preferido de todos os pastores. Viajou país afora, conhecendo todos na igreja, seus hábitos, as pregações, até ser promovido a Pastor e mudar-se para Campinas, uma boa praça, cheia de boas almas, dispostas a trocar o pouco dinheiro por muita esperança.

Seguiu assim a rotina de todos os pastores, ao menos aqueles que dão certo: Corcel II e templo alugado, Monza e templo próprio.

Lá levava uma vida simples e regrada, auxiliado por bons fiéis, que traziam outros tantos e, como sempre, algumas moças que faziam questão de manter o templo e casa do Pastor Cândido arrumada, além de não deixar que ele passasse, digamos, necessidades.

O grosso do dinheiro voltava para Uberlândia. Primeiro umas terrinhas; uns boizinhos; um predinho, inteiramente vendido; outro; uma construtora; e, finalmente, uma holding que centralizava todos os negócios, a qual, ironicamente, chamou de Okaidô!, hoje sua marca registrada.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

por mais que eu reencarne mil vezes...rs

Dizem os kardecistas que existe reencarnação...
Pois por mais que eu reencarnasse mil vezes eu não veria tudo...rs
Esta vida me pasma!
A humanidade está doida... ah, louco! Tenho levado com humor, para nao perder a compostura!!!!!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

ter amigo é bom...

ELES FAZEM HOMENAGEM PRA GENTE..RS
Melhor ainda qdo abrimos o scrap e encontramos um trabalho assim, feito com carinho, como este que meu amigo henrique fez, com a foto de uma tela que pintei...mereci uma frase de tolstoi! Viva eu!!!!
Valeu, amigo, obrigada, tá guardado de lembrança!



terça-feira, 8 de abril de 2008

se alguém quiser enviar...

Já ganhei budas, budinhas, deusas, santas, biblias sagradas e guardo todos estes "objetos", de lembrança...
Se alguém quiser me mandar um diabinho, também vou guardar e achar muito bonitinho...só me perguntem antes a cor, porque para mim eles são apenas objetos decorativos!
beijos!

sexta-feira, 7 de março de 2008

Ressurreição

""Vá bater nos túmulos e perguntar aos mortos se querem ressuscitar: eles sacudirão a cabeça em um movimento de recusa."
shopenhauer

quarta-feira, 5 de março de 2008

sábado, 19 de janeiro de 2008

...E PENSAR QUE ISTO É MOTIVO DE MORTES SANGRENTAS!!!!

As Religiões Monoteístas.
Temos o Mesmo Deus Que os Não-Cristãos?
Pelo Padre Basile Sakkas.
"OS POVOS HEBREU, ISLÂMICO E CRISTÃO...essas três expressões de um idêntico monoteísmo, falam com as vozes mais autênticas e antigas, e mesmo ousadas e confiantes.Porque não seria possível que o nome do mesmo Deus, ao invés de engendrar uma oposição irreconciliável, viesse, isso sim, a conduzir ao respeito mútuo, compreensão e coexistência pacífica? Não deveria a referência ao mesmo Deus, o mesmo Pai, sem prejuízo de discussões teológicas, nos conduzir a descobrir o que é tão evidente,apesar de tão difícil — que somos todos filhos do mesmo Pai, e que, portanto, somos todos irmãos?" Papa Paulo VI, La Croix, 11 Ago. 1970.

Na quinta-feira, 2 de abril de 1970, uma grande manifestação religiosa teve lugar em Genebra. Dentro do quadro da Segunda Conferência da "Associação das Religiões Unidas," os representantes das religiões alvo foram convidados a se reunir na Catedral de São Pedro. Essa "oração comum" foi baseada na seguinte motivação: "Os fiéis de todas essas religiões foram convidados a coexistir no culto do mesmo Deus"! Vejamos se essa afirmação é válida à luz das Sagradas Escrituras.

Para melhor explicar o assunto, nos limitaremos às três religiões que se seguiram uma a outra nessa ordem: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo. Essas três religiões alegam, de fato, uma origem comum: como adoradores do Deus de Abraão. Essa é uma opinião largamente espalhada já que todos reclamam ser a posteridade de Abraão (os judeus e islâmicos segundo a carne e os Cristãos espiritualmente), nós todos temos como Deus o Deus de Abraão e todos três de nós adoramos (cada um a seu modo, naturalmente) o mesmo Deus! E, esse mesmo Deus constitui de alguma forma nosso ponto de unidade e de "mútuo entendimento," e isso nos convida para uma "relação fraternal," como o Grande Rabino Dr. Safran enfatizou, parafraseando o Salmo: "Ó, como é bom ver os irmãos sentados juntos..."

Nessa perspectiva é evidente que Jesus Cristo, Deus e Homem, o Filho Co-eterno com o Pai sem início, Sua Encarnação, Sua Cruz, Sua gloriosa Ressurreição e Sua Segunda e Terrível Vinda — tornam-se detalhes secundários que não podem impedir que "confraternizemos" com aqueles que O consideram um "simples profeta" (de acordo com o Corão) ou "o filho de uma prostituta" (de acordo com certas tradições talmúdicas)! Assim colocaríamos Jesus de Nazaré e Maomé no mesmo nível. Eu não conheço que Cristão digno do nome poderia admitir isso em sua consciência.

Pode-se dizer que nessas três religiões, olhando sobre o passado, pode-se concordar que Jesus Cristo foi um ser extraordinário e excepcional e que Ele foi mandado por Deus. Mas para nós Cristãos, se Jesus Cristo não é Deus, nós não podemos considerá-Lo nem como um "profeta" nem como alguém mandado por Deus, "mas somente um grande impostor sem comparação, Que Se proclamou "Filho de Deus," fazendo-Se assim igual a Deus!" (Mc.14: 61-62). De acordo com essa solução ecumênica de nível supra-confessional, o Deus Trinitário dos Cristãos seria a mesma coisa que o monoteísmo do Judaísmo, do Islã, dos antigos heréticos seguidores de Sabélio, dos modernos anti-Trinitários, e de certas seitas Iluministas. Não haveria três Pessoas em uma Única Divindade, mas uma única Pessoa, imutável para alguns,ou mudando sucessivamente "máscaras" (Pai, Filho, Espírito Santo) para outros! E não obstante pretende-se que esse é o "mesmo Deus."

Nesse ponto alguém pode propor ingenuamente: "No entanto, para as três religiões há um ponto comum: todas as três confessam o Deus Pai!" Mas de acordo com a Santa Fé Ortodoxa, isso é um absurdo. Nos confessamos sempre: Gloria à Santa, Consubstancial, Vivificante e Indivisível Trindade. Como poderíamos separar o Pai do Filho quando Jesus Cristo afirma Eu e o Pai somos Um (Jo. 10:30); e São João o Apóstolo, Evangelista e Teólogo, o Apóstolo do Amor, afirma claramente: Quem não honra o Filho, não honra o Pai Que O enviou (Jo. 5:23).

Mas mesmo se nós três chamarmos Deus Pai: de quem Ele é realmente o Pai? Para os judeus e os islâmicos Ele é o Pai dos homens no plano da criação; enquanto para nós Cristãos Ele é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo por adoção. (Ef.1: 4-5) no plano da redenção. Que semelhança há ai, então, entre a Divina Paternidade no Cristianismo e nas outras religiões?

Outros podem dizer: "Mas é tudo o mesmo, Abraão adorava o verdadeiro Deus; e os judeus através de Isaac e os islâmicos através de Hagar são descendentes desse verdadeiro adorador de Deus." Aqui se deve deixar uma série de coisas claras: Abraão adorou Deus não na forma do monoteísmo impessoal dos outros, mas na forma da Santíssima Trindade. Nós lemos nas Santas Escrituras: Depois apareceu-lhe o Senhor nos carvalhais de Manre...e ele inclinou-se à terra.(Ge. 18:1-2). E sob que forma Abraão adorou Deus? Sob a forma impessoal, ou sob a forma da Divina Tri-Unidade? Nós Ortodoxos veneramos essa manifestação da Santíssima Trindade no Velho Testamento, no Dia de Pentecostes, quando nós adornamos nossas igrejas com galhos representando os antigos carvalhos, e quando nós veneramos no meio deles o ícone dos Três Anjos, justamente como nosso pai Abraão os venerou! Descendência carnal de Abraão pode não ter uso se nós não formos regenerados nas águas do Batismo na Fé de Abraão. E a Fé de Abraão era a Fé em Jesus Cristo, como o próprio Senhor disse: Abraão,vosso Pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se (Jo. 8:56). Essa foi também a Fé do Profeta-Rei David, que ouviu o Pai celestial falando para Seu Filho Consubstancial: Disse o Senhor ao meu Senhor (Sl.109:1; At. 2:34). Essa foi a Fé dos Três Jovens na fornalha quando eles foram salvos pelo Filho de Deus (Dan. 3:25); e do Santo Profeta Daniel, que teve a visão das duas naturezas de Jesus Cristo no Mistério da Encarnação quando o Filho do Homem dirigiu-se para o Ancião de Dias (Dan. 7:13). Eis ai porque o Senhor, dirigindo-se para a (biologicamente incontestável) posteridade de Abraão, disse: "Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão."(Jo.8:39), e as "obras" de Deus são para que creiais Naquele Que Ele enviou (Jo.6: 29).

Quem são então os que constituem a posteridade de Abraão? Os filhos de Isaac segundo a carne, ou os filhos de Hagar a egípcia? É Isaac ou Ismael a posteridade de Abraão? O que as Escrituras ensinam pela boca do divino Apóstolo? Ora as promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade. Não diz:E às posteridades, como falando de muitas, mas como de uma só:E à tua posteridade, que é Cristo (Ga. 3:16). E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa (Ga. 3:29). É então em Jesus Cristo que Abraão se tornou o pai de muitas nações (Ge. 17:5; Ro. 4:17). Depois de tais promessas e tais certezas, que significam as descendências carnais que Abraão teve? De acordo com As Sagradas Escrituras, Isaac é considerado como a descendência ou posteridade, mas somente como a imagem de Jesus Cristo. Oposto a Ismael (o filho de Hagar; Ge. !6:1 e segs.), Isaac nasceu na miraculosa "liberdade" de uma mãe estéril, que estava em idade avançada e contra as leis da natureza, similar a nosso Salvador, Que nasceu miraculosamente de uma Virgem. Ele escalou o monte de Moriá assim como Jesus escalou o Calvário, carregando em Seus ombros o madeiro do sacrifício. Um anjo liberou Isaac da morte, assim como um anjo rolou a rocha para nos mostrar que a tumba estava vazia, que o Ressuscitado não mais estava lá. Na hora da oração, Isaac encontrou Rebeca na planície e conduziu-a para a tenda de sua mãe Sara, assim como Jesus encontrará Sua Igreja nas nuvens para levá-La para as mansões celestiais, a Nova Jerusalém, a mui desejada pátria.

Não! Nós, no mínimo não temos o mesmo Deus que os não-Cristãos têm! O sine qua non para conhecer o Pai, é o Filho: ...quem Me vê a Mim vê o Pai; ...Ninguém vem ao Pai, senão por Mim (Jo. 14:9 e ¨). Nosso Deus é um Deus Encarnado, Que vimos com nossos olhos, e as nossas mãos tocaram (1 Jo 1:1). O imaterial tornou-se material para nossa salvação, como diz São João Damasceno, e Ele Se revelou em nós. Mas quando Ele Se revelou entre os atuais judeus e islâmicos, de modo que possamos supor que eles conhecem Deus? Se eles têm conhecimento de Deus fora de Jesus Cristo, então Cristo encarnou, morreu e ressuscitou em vão!

Não, eles não conhecem o Pai. Eles têm concepções a respeito do Pai; mas todas as concepções acerca do Pai são ídolos, porque concepção é um produto de nossa imaginação, a criação de um deus à nossa imagem e semelhança. Para nós Cristãos Deus é inconcebível, indescritível e imaterial, como diz São Basílio o Grande. Para nossa salvação Ele tornou-Se (contanto que estejamos unidos a Ele) concebido, descrito e material, por revelação no Mistério da Encarnação de Seu Filho. Para Ele glória pelos séculos dos séculos. Amém. E eis ai porque São Cipriano de Cartago afirma que quem não tem a Igreja como Mãe, não tem Deus como Pai!

Que Deus nos preserve de Apostasia e da vinda do AntiCristo, de quem os sinais estão se multiplicando dia a dia. Que Ele nos preserve da grande aflição que mesmo os eleitos não terão condição de suportar sem a Graça Daquele Que "abreviará" esses dias. E que Ele nos preserve no "pequeno rebanho," o "remanescente de acordo com a eleição da Graça," para que como Abraão possamos rejubilar à Luz de Sua Face, pelas orações da Santíssima Mãe de Deus e Sempre-Virgem Maria, de todas hostes celestes, a nuvem de testemunhas, profetas, mártires, hierarcas, evangelistas e confessores que foram fiéis até a morte, que derramaram seu sangue por Cristo, que nos geraram pelo Evangelho de Jesus Cristo nas águas do Batismo. Nós somos filhos deles—fracos,pecadores,e indignos, seguramente; mas não elevaremos nossas mãos para um deus estranho. Amém.

Padre Basile Sakkas

La Foi Transmise, 5 Abril, 1970

Teillard de Chardin. (filósofo)

O tipo de conhecimento que a pessoa valoriza depende da maneira como ela constroi seu mundo.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

o sermão que acabou com a Igreja(idenydfreitas)

-Irmãos... - disse o reverendo - hoje farei um sermão diferente, especial...Só por hoje, solicito aos irmãos que nada peçam ao Senhor Deus. Só louvemos!
Muitos "aleluias" ecoaram no templo, e o pastor continuou:
-Quem crê em Deus e em suas palavras e promessas?
Todos os presentes levantaram as mãos clamando seus "aleluias" ainda mais alto.
- Pois então, amados irmãos, eu vos digo, hoje, guiado pelo Espírito Santo, que vós nao confiais em Deus!
Fez-se silencio na igreja, e o pastor continuou:
- Está escrito na bíblia, o nosso livro sagrado, que Deus conhece todas as nossas necessidades,que nao deixa o seu servo mendigar o pão, e nos aconselha a sua santa palavra tb, para que não nos preocupemos com o dia de amanhã. Cristo também nos exorta que, ao orarmos, não usemos de muitas palavras, como os fariseus. Na realidade, meus queridos, se confiássemos em Deus, nao precisaríamos pedir nada, pois ele nos sonda e nos conhece, até mesmo as palavras antes de sairem de nossa boca, ele já as conhece todas. Por que andais preocupados, clamando ao Senhor, se Ele proprio prometeu que cuida de nós. Tenho visto falta de fé nesta promessa pela parte de vós, irmãos, quando os ouço suplicando bençãos ao nosso Deus, como se esquecessem que Ele prometeu que conhecendo todas as suas necessidades as suprirá...
Pela primeira vez na igreja, fez-se o silêncio. Todos atentos às palavras do pastor, que por esta altura, em costumeiros cultos já estava a chamar os doentes e oprimidos para receberem bençãos.
O pastor continuou:
- Acima de tudo, amados irmãos, mostremos ao Senhor nossa humildade, aquela humildade que Jesus nos ensinou no Pai NOsso, "seja feita a Sua Vontade", aleluia! - O pastor finalizou a frase com um aleluia que foi repetido quase infinitamente.
Fiéis louvavam e louvavam ao Deus que lhes dera tudo, ao Deus que nao precisava-se contar os males e as dificuldades, Ele as conhecia todas e sabiam que Ele supriria conforme Sua propria promessa...
E então, neste mesmo clima de adoração, o pastor encerrou o culto, dizendo: - Amanhã, irmãos, todos deveremos estar presente aqui no templo, para continuarmos nossos louvores ao nosso Deus. Ele merece toda honra e toda glória, e mais uma vez vamos demonstrar nosso amor e gratidão a Ele, que é Vida e Amor e Graça.Amanhã, irmãos, demonstraremos nossa fé e nossa humildade, vamos apenas louvar a quem merece todo louvor. Vamos demonstrar que nao estamos aqui para pedir, que nao estamos aqui por interesse pessoal, e sim, unicamente por amarmos nosso Deus, acima de todas as coisas. Sigam na paz, meus amados irmãos, e que Deus os acompanhe, e os traga de volta, para novo culto de adoração, nao esqueçam, amanhã à noite! Amém
Os "améns" pareceram sair um pouco menos enfáticos, mas certamente foi só impressão do reverendo...
Após o culto, uma velhinha chegou-se ao púlpito sussurrando bem perto do rosto do pastor, como quem nao queria ser ouvida pelos demais:
- Pastor eu sei que o senhor nos exortou a não pedir hoje, nada para Deus, mas é que eu estou com um irmão doente em casa, e gostaria que o senhor pudesse orar por ele...
Ao que o pastor respondeu: - Deus sabe, minha filha, Deus já sabe, e será feita a Vontade Dele.A velhinha foi argumentar alguma coisa, com seus olhinhos de desespero, e o pastor imediatamente exclamou: - Olha a humildade, irmã, olha a humildade e a confiança! - a velhinha sorriu a metade de um sorriso e saiu devagarinho pelo corredor, olhando de soslaio aos presentes, para descobrir na expressão destes, se escutaram ela contrariar o sermão indo pedir bençãos no púlpito, mas todos os semblantes estavam sérios, silentes, degustando quiçá... o sermão inesperado.

No dia seguinte, carregando harpa, guitarra, e alto falantes, chegou o pastor para efetuar mais um culto de louvor. Numa rápida olhadela pelo templo, deu por falta de mais ou menos uns dez irmãos,os costumeiramente mais fervorosos, mas deviam ter se atrasado, com certeza...
O culto seguiu-se, e em meio aos louvores, o reverendo escutou um "misericórdia" vindo do meio do povo.
Aproveitou a "deixa" para exortar o irmão ou irmã, que no acalorameto do louvor, pedia misericórdia, descaracterizando o culto que deveria ser só de honras e glórias...
- Irmãos - disse o líder da igreja - Deus já nos deu tudo, tudo que podia, inclusive seu filho, temos mais é que agradecer, como ainda pedir mais , mais e mais? Estais de barriga cheia, andando de cá para lá, nao precisais chegar ao extremo de pedir misericórdia. Com a força que nos é dada, apenas louvemos... - e o culto prosseguiu, se alguém pediu algo, o fez em silencio, porque mais nada deste gênero se ouvia, a nao ser louvores no ambiente.
No terceiro dia, de apenas adoração, já era visível o desfalque nos bancos. A anteninha do pastor deu um sinal... "O povo sente-se exaurido rapidamente apenas louvando", lembrou-se que a parte mais acalorada dos cultos era a hora de pedir bençãos... Mas manteve-se firme em seu propósito de "unicamente louvor", pois afinal fora do Espirito Santo que recebera esta revelação enquanto lia a Bíblia.
As ofertas em dinheiro, escassearam, não só porque escassearam as pessoas, mas sim pelo fato de que,já nao davam a Deus o louvor? E muitos chegavam a ser cara de pau , perguntando ao pastor quando é que podiam começar a pedir também, quando acabariam os cultos de "apenas louvor"...Mas o pastor queria se manter fiel à revelação e mostrar a Deus que sua igreja nao era interesseira, que amava de fato a Ele sobre todas as coisas, inclusive saúde, dinheiro e bem estar.
E assim, neste propósito foi levando a igreja, que agora se resumia em meia dúzia de gatos pingados, que com o tempo também esfriaram na "fé".
...Até que nNunca mais o pastor viu nenhum dos irmãos, e adorava a Deus sozinho...
Não sei como vai terminar esta estória, porque ela ainda está acontecendo, mas certamente o pastor do sermão revelado, sem saber fazer mais nada, a nao ser "pregar", vai acabar morrendo de fome. A menos,que ele abra mão do primeiro mandamento "Amar a Deus sobre todas as coisas", e coloque nas rádios coisas do tipo:"Venham para a grande noite das bençãos, Jesus estará lhes abençoando, curando-lhe todos os males, arrumando=lhes empregos, dando-lhes a prosperidade e vidas eternas..."
Se foi revelação divina, ou um "insigh" do reverendo, ninguém sabe, o que sei é que às vezes pagamos um preço quando tentamos ser honestos para conosco mesmo a respeito de nossos proprios sentimentos e ações!
ALELUIA!!!!
(Ideny Ditzel Freitas)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Olhei e vi...(Idenydfreitas)

Olhei e eis que vi, multidão de sofredores descendo o monte e implorando: preciso acreditar! Dize-me, tu, qual é o meu valor? Sou ou não sou filho de um rei? Confirma-me esta esperança, pois sem ela, vão-se meus dias vãos.
Condoída pela miséria do grupo, nada pude responder, senão deixar que seguissem à procura de um gato preto num quarto escuro.
E outra vez olho, e eis que de novo vejo, outra multidão. Esta não pedia confirmação, pois tinha fé, tanta fé que cada um ergueu uma bandeira escrito "A VERDADE". E justamente por terem fé na sua verdade, encontraram-se com o grupo que vinha anteriormente, na minha história, e os exterminaram. Morte aos que nao acreditam na Verdade, diziam,plenos por haverem aplicado justiça.
Atrás destes vinha o terceiro grupo, os exploradores da fraqueza humana, cada um carregava um saco de dinheiro,reconheci políticos, padres, pastores, e curandeiras... como os males que a humanidade padece, dá lucro aos lobos travestidos de cordeiros...
E outra vez eu olho, e outra vez eis que vejo, o louco! Aquele mesmo da peça de Goethe, gritando :"onde está Ele"? Ainda o estou esperando! Ele vem, sim vem...eu tenho marcado um encontro!
Tanta era a dor da Terra, que pedi que se me tapassem os ouvidos, livrando-me das lamúrias da fome, e dos leitos de enfermos terminais, que ainda clamavam por seu deus.
E então nao mais olhei, e eis que não quis mais nada ver, porque a vida humana não é espetáculo para todos, alguns não são tão fortes como deus, não a suportam!!!!
Idenyzinha acidazinha

Abaixo os cultos!!!!(Idenydfreitas)

Eu governante? A primeira coisa que iria proibir era o direito ao culto. Não proibiria a fé, mesmo porque não teria controle sobre os pensamentos dos homens, faria contudo, de modo que pouca coisa tivessem a pedir, e o mínimo cansaço para apoiar num deus ou deuses, diminuindo assim as rezas. Proibido o direito ao culto, cada homem que portasse esta necessidade, deveria fazê-lo em seu próprio quarto, em sua casa.Nada de descabido, não se exalte, mas leia-me as explicações: se cada homem não encontrar dentro da própria casa e dentro do aposento mais íntimo de sua casa, um altar para adorar (a si mesmo), em silêncio, em vão caminha até o templo à procura de deuses...
E tenho falado, em toda minha vã filosofia...Abri os ouvidos e ouvi-me, ó homem que sofre carregando este fardo da pesada crença, que lhe tolhe metade da vida, metade da expressão,ou toda, numa promessa vã de paraíso!
Ideny Ácida

um privilégio - Ideny Ditzel Freitas -

Não programei para nascer, muito menos escolhi as condições que vim para este mundo.Nem mesmo o meio, e os pais. O pai até poderia ser o mesmo, contanto que nao morresse tão cedo, e a mãe, também a mesma, contanto que questionasse mais e acreditasse menos; mas quem sabe o próprio sofrimento nao lhe permitiu tamanha façanha! Mas, já que estou aqui, deixa eu sondar tudo, observar com olhos de lince, cada detalhe, como se cada detalhe fosse um privilégio para minha curiosidade.Daqui a alguns anos que importa o que senti, o que experimentei, as sensações de frio e calor? Mas hoje importa, ou devia importar, porque incrivelmente, e sem entender o sentido, eu estou viva!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Shakespeare (Lin Yutang)

É curioso que Shakespeare não tenha sido nunca muito religioso nem muito interessado pela religião. Creio que esta foi a sua grandeza; tomava a vida humana quase como era, e se intrometia tão pouco no plano geral das coisas como nas personagens de suas obras. Shakespeare era como a própria Natureza, e este é o maior elogio que podemos fazer a um escritor ou a um pensador. Não fez mais que viver, observar a vida e retirar-se."
(Lin Yutang)

domingo, 13 de janeiro de 2008

COMO TENS CORAGEM?









!!!!!!DE PEDIR AINDA, ALGO PARA "SI"?????!!!!

sábado, 12 de janeiro de 2008

VOLTAIRE

Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.Voltaire

Julgue-se um homem mais pelas suas perguntas do que pelas suas respostas.

Aproximo-me suavemente do momento em que os filósofos e os imbecis têm o mesmo
destino.Voltaire

Sufoca-se o espírito da criança com conhecimentos inúteis.
Voltaire

O interesse que tenho em acreditar numa coisa não é prova da existência dessa
coisa.Voltaire

Feliz daquele que desfruta agradavelmente da sociedade! Mais feliz é quem não faz
caso dela e a evita!
Voltaire

A superstição põe o mundo em chamas, a filosofia apaga-as.Voltaire

Para se ter alguma autoridade sobre os homens, é preciso distinguir-se deles. É
por isso que os magistrados e os padres têm gorros quadrados.Voltaire

Não há prazeres verdadeiros senão com necessidades verdadeiras.
Voltaire


Em questões de dinheiro temos todos a mesma religião.
Voltaire

O orgulho dos pequenos consiste em falar sempre de si próprios; o dos grandes em nunca falar de si.
Voltaire

sábado, 5 de janeiro de 2008

Fiodor Dostoievski

Quanto mais gosto da humanidade em geral, menos aprecio as pessoas em particular, como indivíduos.
Fiodor Dostoievski
(assino em baixo...rs...)

O Homem inventou Deus para poder viver sem se matar.
Fiodor Dostoievski


Decididamente não compreendo por que é mais glorioso bombardear de projécteis uma cidade do que assassinar alguém a machadadas.
Fiodor Dostoievski



A maior felicidade é quando a pessoa sabe porque é que é infeliz.
Fiodor Dostoievski

Quando é mais penoso compreender tudo, tomar consciência de todas as impossibilidades, de todos os muros de pedra; porém não se humilhar diante de nenhuma dessas impossibilidades, diante de nenhuma dessas muralhas se isso te repugna, chegar, seguindo as deduções lógicas mais inelutáveis, às conclusões mais desesperadoras, no tocante a esse tema eterno de tua parte de responsabilidade nessa muralha de pedra, se bem que esteja claro até a evidência que tu não estás aqui para nada, e em conseqüência mergulhares silenciosamente, mas rangendo deliciosamente os dentes, na tua inércia, pensando que não podes mesmo te revoltar contra seja o que for, porque não há ninguém em suma, porque isto não é senão uma farsa, senão uma falcatrua, porque é uma trapalhada, não se sabe o quê nem se sabe quem, porém que, malgrado todas essas velhacadas, malgrado essa ignorância, tu sofres, e tanto mais quanto menos compreendes.
Dostoiévski


Como ler Dostoievski e continuar sendo a mesma pessoa?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Da incoerência de nossas ações - Montaigne

Michel de Montaigne
Ensaios, Livro II, Capítulo I
Da incoerência de nossas ações
Os que se dedicam à crítica das ações humanas jamais se sentem tão embaraçados como quando procuram agrupar e harmonizar sob uma mesma luz todos os atos dos homens, pois estes se contradizem comumente e a tal ponto que não parecem provir de um mesmo indivíduo. Mário, o Jovem, ora parece filho de Marte ora filho de Vênus. Dizem que o Papa Bonifácio VII assumiu o papado como uma raposa, conduziu-se como um leão e morreu como um cão. E quem diria que Nero, essa verdadeira imagem da crueldade, como lhe apresentassem para ser assinada, de acordo com a lei, a sentença contra um criminoso, observou: – Prouvera a Deus que eu não soubesse escrever! – tanto lhe apertava o coração condenar um homem à morte. Há tantos exemplos semelhantes, e tão facilmente os encontrará sozinho quem quiser, que estranho ver por vezes gente de bom senso procurando juntar tais contradições, mesmo porque a irresolução me parece ser o vício mais comum e evidente de nossa natureza, como o atesta este verso de Públio, o satírico: “Má opinião, a de que não se pode mais mudar.”
É aparentemente possível julgar um homem pelos fatos mais comuns de sua vida; mas, dada a instabilidade natural de nossos costumes e opiniões, pareceu-me muitas vezes que os melhores autores erravam em se obstinar a dar de alguém uma idéia bem assentada e lógica. Adotam um princípio geral e de acordo com este ordenam e interpretam as ações, tomando o partido de as dissimular quando não as deformam para que entrem dentro do molde preconcebido. O imperador Augusto escapou-lhes; deparamos nesse homem com uma tal flagrante diversidade de ações, tão inesperada e contínua no decurso de sua existência, que os mais ousados juízes, renunciando a julgá-lo em seu conjunto, tiveram de deixá-lo assim indefinido. Acredito que a constância seja a qualidade mais difícil de se encontrar no homem, e a mais fácil a inconstância. Quem os julgasse pormenorizadamente de acordo com seus atos, um por um, estaria mais apto a dizer a verdade a seu respeito.
Fora difícil encontrar em toda a antigüidade uma dúzia de homens que tenham orientado sua vida em obediência a determinado princípio, o que é o fim principal da sabedoria. A qual, segundo um autor antigo [Sêneca], se resume em uma frase que enfeixa, em uma só, todas as regras da vida: “querer e não querer são sempre a mesma e a única coisa”. E poderia acrescentar: à condição de que o que queremos ou não queremos seja justo, pois, se não o é, impossível se faz que permaneça constantemente a mesma coisa. Efetivamente, que o vício nada mais é senão desregramento e falta de medida e por conseguinte não o podemos imaginar constante. Atribui-se a Demóstenes a seguinte máxima: a virtude, qualquer que seja, consiste de início em recolhimento e deliberação; a constância, a seguir, comprova-lhe a perfeição. Em refletindo seguimos sempre o melhor caminho, mas ninguém pensa antes de agir. “Desdenha o que pediu, volta ao que largou e, sempre hesitante, contradiz-se sem cessar” (Horácio).
Nossa maneira habitual de fazer está em seguir os nossos impulsos instintivos para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo, segundo as circunstâncias. Só pensamos no que queremos no próprio instante em que o queremos, e mudamos de vontade como muda de cor o camaleão. O que nos propomos em dado momento, mudamos em seguida e voltamos atrás, e tudo não passa de oscilação e inconstância. “Somos conduzidos como títeres que o fio manobra” (Horácio).
Não vamos, somos levados como objetos que flutuam, ora devagar, ora com violência, segundo o vento: “Acaso não vemos todo mundo indeciso; uns procurando sem descontinuar, outros mudando de lugar, como para largar uma carga pesada demais?”(Lucrécio). Cada dia nova fantasia, e movem-se as nossas paixões de acordo com o tempo: “o pensamento dos homens assemelha-se na terra aos cambiantes raios de luz com que Júpiter a fecunda”(Cícero).
Hesitamos em tomar partido; nada decidimos livremente, de maneira absoluta, coerente. Se alguém traçasse e estabelecesse determinadas leis de conduta e regime político de vida, veríamos brilhar em seus atos e atitudes uma harmonia cabal e em seus costumes uma ordem e uma correlação evidentes. Empédocles observa a seguinte contradição entre os agrigentinos: alguns se entregam aos prazeres como se devessem morrer no dia seguinte e outros edificam como se a vida não tivesse de acabar jamais. O plano de vida fora entretanto fácil de se estabelecer, como se vê em Catão, o Jovem: quem nele toca uma tecla, toca todas, pois há nele uma harmonia de sons bem afinados que nunca se entrechocam. Não seguimos, nós outros, tão sábio exemplo e cada uma de nossas ações decorre de um juízo específico. E na minha opinião seria melhor procurar-lhes as causas nas circunstâncias do momento sem mais aprofundada pesquisa e sem tirar delas quaisquer conseqüências.
Durante as desordens que agitaram nosso pobre país, disseram-me que uma jovem, bem perto do local onde eu me encontrava, se jogara pela janela a fim de escapar à brutalidade de um soldado que hospedava. Não teve morte instantânea e para se acabar tentou cortar o pescoço com uma faca, o que não a deixaram fazer. Nesse triste estado, confessou que o soldado nada mais fizera do que lhe declarar seu amor, solicitá-la e presenteá-la, mas ela temera que chegasse a violentá-la. Daí seus gritos, sua atitude, o sangue derramado, como se se tratasse de uma nova Lucrécia. Entretanto, eu soube que antes e depois dessa ocorrência sempre se mostrou muito menos arisca. Como dizem por aí, “por mais belo e decente que sejas, se não és aceito pela tua amada, não concluas, sem mais amplas informações, ser ela de uma castidade a toda prova; isso não impede que o arrieiro tenha a sua possibilidade”.
Antígono, que se afeiçoara a um de seus soldados por causa de sua valentia e coragem, mandou que o médico tratasse de uma doença que o atormentava havia muito. Observando, após a cura, que o homem se expunha muito menos nos combates, perguntou qual a razão dessa mudança que o tornara poltrão: “Vós mesmo, Sire, porquanto me libertastes dos males que faziam com que eu não apreciasse a vida.”
Um soldado de Luculo fora roubado pelo inimigo. Para se vingar executou contra ele um golpe de mão notável, amplamente compensador de seus prejuízos. Luculo que ficara com excelente opinião dele quis empregá-lo em uma arriscada expedição e, afim de decidi-lo, usava todos os meios de persuasão, “com palavras capazes de entusiasmar os mais tímidos”(Horácio). Mas o soldado atalhou: “Mandai algum soldado miserável que tenha sido roubado.” E recusou peremptoriamente. Como diz Horácio: “Irá quem tiver perdido a bolsa.”
Maomé II admoestara violentamente Chasan, chefe de seus janízaros cuja tropa fora desfeita pelos húngaros, sendo que se conduzira ele próprio covardemente durante o combate. Como única resposta, Chasan, sozinho, sem precisar de ninguém, precipitou-se furioso, espada na mão, contra o primeiro pelotão inimigo que percebeu e desapareceu em poucos instantes como se fora por ele tragado. Nesse ato, parece que foi movido menos pelo desejo de se reabilitar do que em virtude de uma reviravolta em seus sentimentos: Não agia sob o impulso da coragem moral e sim por despeito. Quem ontem vistes tão temerário, não vos espanteis em vê-lo poltrão no dia seguinte. A cólera, a necessidade, a companhia ou o vinho, ou o som de uma trombeta, terão feito de suas tripas coração. Não foi o raciocínio que lhe deu coragem: foram as circunstâncias. Não nos espantemos, pois, de ver que mudou ao mudarem elas. Essa variação e essa contradição, tão comuns em nós, levaram muitas pessoas a pensar que possuímos duas almas, ou duas forças que atuam cada qual num sentido, uma no sentido do bem e outra no do mal. Uma só alma e uma só força não poderiam conciliar-se com tão repentinas variações de sentimentos.
Não somente o vento dos acontecimentos me agita conforme o rumo de onde vem, como eu mesmo me agito e perturbo em conseqüência da instabilidade da posição em que esteja. Quem se examina de perto raramente se vê duas vezes no mesmo estado. Dou à minha alma ora um aspecto, ora outro, segundo o lado para o qual me volto. Se falo de mim de diversas maneiras é porque me olho de diferentes modos. Todas as contradições em mim se deparam, no fundo como na forma. Envergonhado, insolente, casto, libidinoso, tagarela, taciturno,
trabalhador, requintado, engenhoso, tolo, aborrecido, complacente, mentiroso, sincero, sábio, ignorante, liberal e avarento, e pródigo, assim me vejo de acordo com cada mudança que se opera em mim. E quem quer que se estude atentamente reconhecerá igualmente em si, e até em seu julgamento, essa mesma volubilidade, essa mesma discordância. Não posso aplicar a mim um juízo completo, sólido, sem confusão nem mistura, nem o exprimir com uma só palavra. “Distingo” é o termo mais encontradiço em meu raciocínio.
Embora acredite sempre que é preciso falar bem do que é justo e interpretar com simpatia o que a tal juízo se presta, nossa condição é tão singular que não raro o próprio vício nos impele a bem fazer (se o bem não se julgasse unicamente pela intenção que o determina). Daí não se dever tirar de um ato corajoso a conclusão de que um valente o praticou. Valente será efetivamente quem o for sempre em todas as ocasiões. Se fosse um hábito e não u gesto imprevisto, a virtude faria que um homem mostrasse sempre igual resolução; seria o mesmo, só ou acompanhado, na justa como no campo de batalha. Suportaria esse homem, com igual atitude uma enfermidade em seu leito e um ferimento na guerra e não temeria mais a marte em seu lar do que em um assalto. Não o veríamos lançar-se através de uma brecha com insopitável bravura e em seguida chorar como uma mulher a perda de um processo ou de um filho; ser covarde diante da infâmia e resoluto na miséria, ter medo da navalha do barbeiro e desafiar a espada do adversário. Em tais casos, a ação é louvável, não o homem. Há gregos, diz Cícero, que tremem à vista do inimigo e se mostram tenazes quando enfermos, e tem-se o inverso nos cimbros e nos celtiberos: “Nada pode ser estável se não parte de um princípio sólido”(Cícero).
Não há maior valentia, no gênero, do que a de Alexandre, o Grande, e no entanto não se verifica em tudo. Por incomparável que seja, tem suas falhas, o que o faz perturbar-se à mais insignificante suspeita de conjuras e o leva a incrível e absurda crueldade na repressão e a temores em nada compatíveis com sua apreciação habitual das coisas. A superstição que lhe era peculiar participa também da pusilanimidade, e a exagerada penitência que se impõe a si mesmo após o assassínio de Clito prova igualmente a desigualdade de sua coragem. Somos um amontoado de peças juntadas inarmonicamente e queremos que nos honrem quando não o merecemos. A virtude vale por si mesma; se para outro fim tomamos a sua máscara, logo ela no-la arranca da cara. Quando nossa alma se impregna dela, forma ela uma espécie de verniz fortemente adesivo que só se tira com a própria pele. Eis por que para julgar um homem é preciso seguir suas pegadas, penetrar sua vida, e se não deparamos com a constância alicerçando seus atos, “com um plano de vida bem ponderado e previsto”(Cícero), se sua marcha, ou antes, seu caminho (pois é lícito acelerar ou diminuir o passo) se modifica segundo as circunstâncias, abandonemo-lo. Como a ventoinha gira de acordo com o vento, assim reza a divisa de nosso Talbot.Não é de espantar, diz um autor antigo, que o acaso tenha tanta força sobre nós, pois por causa dele é que existimos. Quem não orientou sua vida, de um modo geral, em determinado sentido, não pode tampouco dirigir suas ações. Não tendo tido nunca uma linha de conduta, não lhe será possível coordenar e ligar uns aos outros os atos de sua existência. De que serve fazer provisão de tintas se não se sabe que pintar? Ninguém determina do princípio ao fim o caminho que pretende seguir na vida; só nos decidimos por trechos, na medida em que vamos avançando. O archeiro precisa antes escolher o alvo; só então prepara o arco e a flecha e executa os movimentos necessários; nossas resoluções se perdem porque não temos um objetivo determinado. O vento nunca é favorável a quem não têm um porto de chegada previsto. Não estou de acordo com o juízo que se fez, ao assistir a uma tragédia de Sófocles, declarando-o, contra a opinião de seu filho, capaz de administrar seus bens. Não acho tampouco muito mais lógico o que fizeram os párias enviados com missão de reformar o governo dos milésios. Depois de visitar a ilha, observando o cultivo cuidadoso da terra, a boa ordem das propriedades, e registrando os nomes dos proprietários, considerando que a atenção e a eficiência demonstradas na administração de seus negócios particulares eram uma garantia de que de igual modo iam gerir os negócios do Estado.
Somos todos constituídos de peças e pedaços juntados de maneira casual e diversa, e cada peça funciona independentemente das demais. Daí ser tão grande a diferença entre nós mesmos quanto entre nós e outrem: “Crede-me, não é coisa fácil conduzir-se como um só homem”(Sêneca). Se a ambição pode impelir o homem a ser valente, sóbrio, liberal e mesmo justo, se a avareza pode dar coragem a um caixeiro criado no ócio e na indolência e infundir-lhe bastante confiança para que se lance à aventura em frágil navio, à mercê de Netuno, e lhe ensina a discrição e a prudência; se a própria Vênus arma de resolução a audácia o jovem ainda sob a autoridade paterna, e faz com que se mostre impudica a virgem de coração terno ainda sob a égide de sua mãe:
“Passando furtivamente entre os guardas que dormem, protegida por Vênus, vai a jovem sozinha, dentro da noite, juntar-se a seu amante”(Tibulo), se assim é, não deve um espírito refletido julgar-nos pelos nossos atos exteriores; cumpre-lhe sondar as nossas consciências e ver os móveis a que obedecemos. É uma tarefa elevada e difícil e desejaria por isso mesmo que menor número de pessoas se dedicassem a ela.
Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592)
(In: Ensaios, Michel de Montaigne; tradução de Sérgio Milliet, 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980, pp. 159-162)

RAPIDA BIOGRAFIA DE PETER SINGER


Peter Singer é um dos mais importantes especialistas em ética aplicada, área para cuja revitalização contribuiu decisivamente. Ensinou nas universidades de Oxford, Nova Iorque e Monash, sendo actualmente Professor Catedrático na Universidade de Princeton. Da sua obra destacam-se Marx (1980), Hegel (1983), Libertação Animal (1975; trad. port. 2000), Rethinking Life and Death (1994) e Ethics into Action (1998). É co-autor das obras The Reproduction Revolution (1984), Should the Baby Live? (1985), Embryo Experimentation (1990) e The Great Ape Project (1995). Redigiu o artigo sobre ética da actual edição da Encyclopaedia Britannica e organizou os volumes Applied Ethics (1986), A Companion to Ethics (1991) e Ethics (1994). Deu ainda origem à obra Singer and His Critics (1999), organizada por Dale Jamieson. Em 1992 foi eleito Presidente Fundador da Associação Internacional de Bioética, foi o primeiro Director do Centro de Bioética da Universidade de Monash e é co-director da revista internacional Bioethics. Encontrou ainda tempo para escrever Ética Prática, uma brilhante introdução à ética aplicada, e uma obra de divulgação admirável: How are We to Live? (1995).

O POLÊMICO PETER SINGER



Ele é a favor do aborto e condena que se mate animais para comer.
O filósofo Peter Singer, professor de bioética na Universidade de Princeton,
vegetariano há 35 anos, um dos mais polêmicos pensadores da área. Mas diz que
sua filosofia é muito simples: “Evitar o sofrimento ao máximo, para seres humanos
e animais”.
ENTREVISTA NA REVISTA ÉPOCA-PETER SINGER:
Época: Não comer carne sempre foi uma questão ética para o senhor?
Peter Singer: Eu me tornei vegetariano faz 35 anos. Naquela época, esse tema era totalmente ignorado pelos filósofos. Toda a questão moral em torno do tratamento de animais não existia para a filosofia. Mas, para mim, essa já era uma questão ética .

Época: Qual é exatamente a sua posição?
Peter Singer: Não acho que seja justificável submeter animais a sofrimento só porque gostamos do sabor da carne ou porque estamos acostumados. Mas, infelizmente, é isso que a gente faz quando compra um animal para comer. Gostaria de esclarecer que isso só se aplica a pessoas que têm o suficiente para uma dieta saudável composta só de vegetais. Nunca disse que populações em condições de pobreza, que precisam comer o que puderem para se nutrir, deveriam ser vegetarianas. Quem tem outras opções, no entanto, se continuar a consumir carne, especialmente carne produzida segundo os métodos modernos de criação de gado, será responsável por submeter os animais a um grande sofrimento.

Época: O homem não é onívoro por natureza?
Peter Singer: Não sei o que isso dizer. Se quer dizer que não podemos fazer outra coisa, com certeza, isso não é verdade. Há muitos milhões de pessoas que não comem animais. Se quer dizer que essa é a forma como sempre fizemos, é verdade. Mas é irrelevante para determinarmos o que fazer agora.

Época: Na natureza animais comem outros animais.
Peter Singer: Isso não é um argumento. Na natureza, o homem domina a mulher, um homem escraviza o outro. Ninguém argumenta que essas coisas sejam certas.

Época: O que seria um argumento moral válido?
Peter Singer: Um argumento moral tem de ter algumas premissas, deve ser algo que nos guia.

Época: Quem determina as premissas que devemos seguir?
Peter Singer: Ninguém determina. Cada um de nós determina para si próprio. Devemos fazer isso pensando claramente sobre o que fazemos, nos perguntando, por exemplo, se gostaríamos que fizessem conosco o que fazemos com o outro.

Época: Seu pensamento ético se encaixa em alguma escola filosófica ou tradição moral?
Peter Singer: Minha visão moral vem da filosofia utilitária desenvolvida por filósofos ingleses como Jeremy Bentham and John Stuart Mill no do século 19. Mas não acho que, essencialmente, meus argumentos pelo vegetarianismo sejam utilitários. São uma extensão de pensamentos que a maioria das pessoas tem, como a rejeição ao racismo. Uma extensão disso é o que eu chamo de especiesmos, preconceito contra aqueles que não são membros da nossa espécie.

Época: Esse preconceito se volta só contra algumas espécies? Por que comemos bois e porcos e não comemos gatos e cachorros?
Peter Singer: Algumas pessoas comem gatos e cachorros. Isso é cultural. No ocidente, nós não comemos gatos e cachorros, mas, ainda assim, somos preconceituosos em relação a eles. Muitas vezes eles são muito maltratados.

Época: Um dos argumentos que o senhor coloca para não comermos animais é que eles são auto-conscientes. Todo animal é consciente de si mesmo?
Peter Singer: Não. Os animais são conscientes no sentido de que são capazes de sentir dor, pelo menos a maioria (ostras não devem sentir nada). Mas não acredito que todos sejam conscientes de si mesmos. É difícil saber. Eu nunca disse que galinhas, por exemplo, têm consciência de sua existência. Mas elas sentem dor.

Época: O senhor comeria ostras?
Peter Singer: Acho que tudo bem comer uma ostra. Não creio que ostras sintam dor.

Época: Algumas pessoas dizem que plantas têm sentimentos.
Peter Singer: Não há nenhuma evidência de que isso seja realmente verdade.

Época: E se a ciência provar que é verdade?
Peter Singer: Se a ciência provar que é verdade, precisaremos arrumar formas de reduzir esse sofrimento. Claro que teremos de comer alguma coisa. Mas é sempre bom lembrar que quando comemos animais somos responsáveis por destruir cinco ou dez vezes mais plantas do que se as comêssemos diretamente. Portanto, as plantas serem capazes de sofrer ainda não seria uma razão para comer animais.

Época: É mais ético caçar do que criar animais?
Peter Singer: De alguma forma, sim, porque os animais têm uma vida normal. E, se o caçador tiver boa pontaria, eles morrem instantaneamente e não sofrem. É muito melhor do que ir a um supermercado e comprar um pedaço de carne que vem de uma fazenda de produção industrial, onde os animais provavelmente sofreram por toda a sua vida.
Época: Suas opiniões a favor do aborto e da eutanásia parecem incoerentes com a defesa dos animais. Há um fio que permeia suas idéias?
Peter Singer: O fio que permeia tudo é o desejo de prevenir qualquer sofrimento evitável.

Época: Como o senhor justifica seu apoio à legalização do aborto? O senhor não crê que o feto sofra?
Peter Singer: Acho que não devemos obrigar uma mulher a continuar uma gravidez que ela não deseja já que não há um ser consciente envolvido. No período da gravidez em que a maioria dos abortos acontecem, o feto não sente nada. Sou um pouco preocupado a respeito de abortos que aconteçam muito tarde na gravidez, depois de 24 meses de gravidez, porque o feto talvez seja capaz de sofrer.

Época: O senhor acha que um feto mais novo que isso sente menos que um peixe?
Peter Singer: Sim, um peixe sente dor e um feto dessa idade, não. Dá para saber isso baseado no desenvolvimento do sistema nervoso.

Época: O senhor é religioso?
Peter Singer: Não.

Época: A idéia de não fazer ao outro o que você não quer que façam a você é uma idéia cristã, não?
Peter Singer: Os cristãos não são os únicos que têm ética. A tradição chinesa, por exemplo, não é uma tradição religiosa e têm muitos questionamentos éticos. O mesmo vale para a tradição budista. Acho que temos a capacidade de nos solidarizar com os outros independente da nossa religiosidade.

Época: Qual a sua posição em relação aos alimentos transgênicos?
Peter Singer: Não sou contra por princípio. Tudo depende do que estamos falando: modificar plantas ou animais. Temos de tratar os dois casos separadamente. Em relação a modificar plantas, o maior problema é o risco de se causar algum dano ambiental. Se conseguirmos prevenir isso, então, não tenho problemas em relação a vegetais transgênicos. Causar ou não um problema ecológico é uma questão ética. Mas não acho que haja algo intrinsecamente errado em mudar os genes. Com os animais, novamente, a questão é impingir sofrimento ou não. Nós não sabemos exatamente o que estamos fazendo e algumas das primeiras pesquisas causaram anormalidades que provocavam sofrimentos.

Época: O senhor conhece as experiências da bioarte? Ouviu falar de Alba, a coelhinha fosforescente do brasileiro Eduardo Kac?
Peter Singer: A princípio, não há nada demais em se fazer um coelho que, no escuro, fica verde e brilha. A questão é que não se sabe se essa mudança genética pode causar algum tipo de distúrbio que traga sofrimento para o animal. Só gostaria de saber se houve cuidados com a saúde do animal, se nenhum outro coelho sofreu antes para se chegar a esse resultado.

Época: Alguns artistas criam tecidos vivos a partir de células humanas e depois os matam em público.
Peter Singer: Não vejo muito sentido, mas não tenho nenhum problema ético em relação a isso porque não há sofrimento envolvido. Algumas pessoas me perguntam se eu aprovaria que se comesse carne caso essa carne fosse um tecido criado em laboratório. Eu não veria nenhum problema. Se alguém pegasse apenas algumas células e produzisse carne, se isso fosse economicamente viável, eu ficaria feliz em comê-la. Seria muito melhor do que comer carne de animais que sofrem.

Época: O senhor é a favor da clonagem?
Peter Singer: Não vejo nada de errado em clonar embriões para produzir células-tronco, por exemplo. Claro que haveria mais problemas se permitíssemos que clones humanos crescessem. Poderíamos ter imprevistos com anormalidades, problemas psicológicos. Quanto aos animais clonados, alguns sofrem, outros não. Mas não acho que a questão seja muito relevante. O número de animais que sofre com essas experiências é muito pequeno em comparação ao que acontece todos os dias nas fazendas de gado. Fazemos escândalo demais em torno da clonagem e nenhum pio em torno de fatos que provocam muito mais sofrimento.

Época: A questão dos animais serem usados como cobaias de laboratório também o preocupa?
Peter Singer: Eu não seria necessariamente contra se usar animais para pesquisa de remédios e tratamentos, caso essa fosse a única alternativa para salvar muitas vidas humanas. Mas eu teria de ter certeza de que essa é a única alternativa. E, muito freqüentemente, não é. Às vezes, é simplesmente a forma com que os cientistas se acostumaram a trabalhar. Eles não buscam alternativas.

Época: Então, se realmente necessário, temos o direito de fazer outro ser sofrer?
Peter Singer: Algumas vezes, temos de pesar um sofrimento contra outro sofrimento. Estudos que, embora causem sofrimento para um número pequeno de animais, previnam o sofrimento de milhões de seres humanos são justificáveis.

Época: O senhor não está sendo preconceituoso? Faria isso com seres humanos?
Peter Singer: Talvez fizesse... se fosse a única coisa a fazer.

Época: Manter dez ou vinte pessoas sofrendo em um laboratório, além de ilegal, não é considerado ético, nem que seja para salvar milhões de vidas.
Peter Singer: Talvez eu não compartilhe desse pensamento. Se essa realmente fosse a única forma de salvar 10 milhões de pessoas, talvez eu fizesse isso. Esse, no entanto, é um bom exemplo de como, na realidade, há outras formas de se fazer as coisas. Se alguém diz que precisa fazer isso, logo outro aparece e diz “Vamos fazer a experiência com pessoas que já estão morrendo de alguma doença ou algo assim”. Seria melhor fazer experiências em humanos com morte cerebral, por exemplo, do que em animais saudáveis.

Época: O senhor comeria carne humana se fosse necessário para salvar sua vida como aconteceu com os estudantes argentinos de medicina que caíram nos Andes na década de 70?
Peter Singer: Comeria. Se eles já estão mortos, não faz diferença. Se fosse a única comida que eu tivesse, comeria. Claro que provavelmente teria alguma repugnância instintiva. Mas teria de superar isso.

0 caso dos cérebros numa cuba

0 caso dos cérebros numa cuba


Eis uma possibilidade de ficção científica discutida pelos filósofos: imagine-se que um ser humano (pode imaginar que é você mesmo) foi sujeito a uma operação por um cientista perverso. 0 cérebro da pessoa (o seu cérebro) foi removido do corpo e colocado numa cuba de nutrientes que o mantém vivo. Os terminais nervosos foram ligados a um supercomputador científico que faz com que a pessoa de quem é o cérebro tenha a ilusão de que tudo está perfeitamente normal. Parece haver pessoas, objectos, o céu, etc.; mas realmente tudo o que a pessoa, (você) está experienciando é o resultado de impulsos electrónicos deslocando-se do computador para os terminais nervosos. 0 computador é tão esperto que se a pessoa tenta levantar a mão, a retroacção do computador fará com que ela "veja" e "sinta" a mão sendo levantada. Mais ainda, variando o programa, o cientista perverso pode fazer com que a vítima "experiencie" (ou se alucine com) qualquer situação ou ambiente que ele deseje. Ele pode também apagar a memória com que o cérebro opera, de modo que à própria vítima lhe parecerá ter estado sempre neste ambiente. Pode mesmo parecer à vítima que ela está sentada e a ler estas mesmas palavras sobre a divertida mas completamente absurda suposição de que há um cientista perverso que remove os cérebros das pessoas dos seus corpos e os coloca numa cuba de nutrientes que os mantém vivos. Os terminais nervosos é suposto estarem ligados a um supercomputador científico que faz com que a pessoa de quem é o cérebro tenha a ilusão de que...

Quando este tipo de possibilidade é mencionado numa conferência sobre teoria do conhecimento, o propósito, evidentemente, é levantar de uma maneira moderna o clássico problema do cepticismo relativamente ao mundo exterior. ( Como é que você sabe que não está nesta difícil situação?) Mas esta situação difícil é também um dispositivo útil para levantar questões sobre a relação mente/mundo.

Em vez de ter apenas um cérebro na cuba, podíamos imaginar que todos os seres humanos (talvez todos os seres sencientes) são cérebros numa cuba (ou sistemas nervosos numa cuba no caso de alguns seres apenas com um sistema nervoso mínimo considerado já como "senciente"). Naturalmente, o cientista perverso teria que estar de fora - estaria? Talvez não haja nenhum cientista perverso, talvez (embora isto seja absurdo) aconteça simplesmente que o universo consista num mecanismo automático cuidando de uma cuba cheia de cérebros e sistemas nervosos.

Agora suponhamos que o mecanismo automático está programado para nos transmitir uma alucinação colectiva, em vez de uma quantidade de alucinações individuais não relacionadas. Assim, quando me parece estar a falar consigo, a si parece-rque você não tem ouvidos (reais), nem eu tenho uma boca e língua reais. Antes, quando eu produzo as minhas palavras, o que acontece é que os impulsos eferentes deslocam-se do meu cérebro para o computador, que ocasiona que eu "ouça" a minha própria voz pronunciando essas palavras e "sinta" a minha língua mover-se, etc., e que você "ouça" as minhas palavras, me "veja" a falar, etc. Neste caso, estamos, num certo sentido, realmente em comunicação. Não estou enganado sobre a sua existência real (apenas sobre a existência do seu corpo e do "mundo externo" fora dos cérebros). De um certo ponto de vista, nem sequer importa que "o mundo inteiro" seja uma alucinação colectiva; porque, afinal, você ouve realmente as minhas palavras quando eu falo consigo, mesmo que o mecanismo não seja o que supomos que ele é. (Evidentemente, se fôssemos dois amantes fazendo amor, em vez de apenas duas pessoas levando a cabo uma conversa, então a sugestão de que se tratava apenas de dois cérebros numa cuba podia ser perturbadora.)

Quero agora pôr uma questão que parecerá muito tola e óbvia (pelo menos para algumas pessoas, incluindo alguns filósofos muito sofisticados), mas que nos levará a autênticas profundezas filosóficas bastante rapidamente. Suponha-se que toda esta história era de facto verdadeira. Poderíamos nós, se fôssemos assim cérebros numa cuba, dizer ou pensar que o éramos?



Hillary Putnam, Razão, Verdade e História, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1992, pp. 28-29.

O fundacionismo de Descartes

O fundacionismo de Descartes
Artur Polónio
Escola Secundária de Alves Martins, Viseu


O argumento céptico da regressão infinita
Teremos maneira de saber se sabemos alguma coisa? O céptico defende que não.

O problema pode parecer estranho; e, se o problema pode parecer estranho, a resposta céptica pode parecê-lo ainda mais. Muitas vezes temos boas razões para duvidar de que saibamos certas coisas; há, todavia, outras coisas de que nos parece difícil duvidar seriamente. Mas o céptico pensa ter um bom argumento1. O seu argumento pode ser formulado do seguinte modo:

Se há conhecimento, então as nossas crenças estão justificadas; mas as nossas crenças não estão justificadas; logo, não há conhecimento.
Ora, este argumento é válido2. Se for sólido, teremos de aceitar a sua conclusão; se não queremos aceitar a sua conclusão, teremos de mostrar que não é sólido.

Mas por que razão deveremos preocupar-nos com a conclusão céptica? Porque não poderemos aceitá-la, ainda que com uma reserva sorridente — e passar tranquilamente adiante?

Essa é uma possibilidade. O que há de insatisfatório com ela é que, se a aceitamos, dificilmente haverá um adiante a que passar. Muitos filósofos pensam que a conclusão céptica é inaceitável; e que temos, por conseguinte, boas razões para nos ocuparmos dela. Se isso é verdade, então temos de regressar ao argumento céptico e procurar determinar o que há de errado com ele.

Será o argumento céptico um argumento sólido? Válido, é; se é válido, então será sólido na circunstância em que todas as suas premissas são verdadeiras. Serão?

A primeira premissa parece indisputável; isto porque não parece possível haver conhecimento sem justificação. Mas a segunda premissa não parece tão evidentemente verdadeira; e isto porque não é óbvio que as nossas crenças — ou, ao menos, algumas delas — não estejam justificadas. Se o céptico pretende que o seu argumento é sólido, então deverá defender a sua segunda premissa.

O argumento céptico da regressão infinita procura fazê-lo. Este argumento pode ser formulado do seguinte modo:

Todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças; se todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças, então há uma regressão infinita; se há uma regressão infinita, então as nossas crenças não estão justificadas; se as nossas crenças não estão justificadas, então não há conhecimento; logo, não há conhecimento.
Ora, este argumento é válido; logo, e mais uma vez, se não queremos aceitar a sua conclusão, teremos de mostrar que pelo menos uma das suas premissas é falsa. Mas será? E, se o for, qual?

Descartes e o argumento céptico da regressão infinita
Descartes procura responder ao argumento céptico da regressão infinita mostrando que a sua primeira premissa é falsa; isto é, mostrando que não é verdade que todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças.

Mas esse não é o seu principal problema. A Descartes não parece satisfatório mostrar que o céptico pode estar errado3: ele pretende mostrar que o céptico está, efectivamente, errado. O seu principal problema pode ser formulado do seguinte modo: "Como poderemos garantir que o nosso conhecimento é absolutamente seguro?"

A dúvida cartesiana
Como o céptico, Descartes parte da dúvida; mas, ao contrário do céptico, não permanece nela. A dúvida cartesiana é muito especial, por diversas razões.

A primeira é que Descartes não duvida por duvidar: ele duvida porque procura um conhecimento absolutamente seguro; isto é, um conhecimento que resista à dúvida mais obstinada, um conhecimento do qual não haja razões para duvidar. Por isso se diz que a dúvida cartesiana é metódica: é um método para encontrar o conhecimento absolutamente seguro que Descartes procura.

Mas, se o que se procura é um conhecimento absolutamente seguro, então é necessário começar por duvidar de tudo o que simplesmente possa parecer duvidoso; é necessário explorar todas as possibilidades de erro, mesmo as mais remotas; isto porque resistir à dúvida é uma condição necessária para o tipo de conhecimento que procuramos. Claro que isto é um exagero: na maior parte do tempo, não temos razões para duvidar da maior parte das coisas. Por esta razão dizemos que a dúvida cartesiana é hiperbólica.

Na maior parte do tempo, por exemplo, acreditamos nos nossos sentidos. Mas, pensa Descartes, os nossos sentidos, por vezes, enganam-nos; ora, se os nossos sentidos nos enganam, ainda que apenas por vezes, então o melhor é não acreditarmos neles nunca; isto porque, como diz, é prudente não confiar em quem nos engana, nem que seja uma só vez. Mas também a razão, na qual acreditamos na maior parte do tempo, nos engana por vezes, mesmo nos cálculos mais simples; por isso, devemos também desconfiar da razão. Por examinar cuidadosamente todas as possíveis fontes de erro se diz que a dúvida cartesiana é sistemática.

O génio maligno
O génio maligno, que surge nas Meditações, é uma possibilidade muito remota; mas é uma possibilidade; logo, não podemos deixar de considerá-la. Mas quem é este génio maligno?

Este génio maligno é uma espécie de deus; é génio, porque os seus poderes são, supostamente, superiores aos poderes humanos; mas, por ser maligno, não pode ser o verdadeiro Deus, uma vez que Este é bom (ocupar-nos-emos da justificação desta crença mais adiante). Este génio maligno tem uma obsessão: enganar-me. É ele que me induz a acreditar que tenho duas mãos, que tenho um corpo, que há uma realidade exterior a mim, ou que 2 + 3 são 5. Mas tudo isto pode ser falso. Todos os meus pensamentos podem ser mero produto da acção maligna deste génio.

Isto não é tão implausível quanto pode parecer: de facto, é como supor que se vive permanentemente numa realidade virtual. Pode, inclusivamente, suceder que eu esteja enganado quanto ao meu corpo; talvez o meu corpo não seja aquilo que os meus olhos me dizem que ele é; talvez eu não tenha sequer um corpo — nem, se isso é verdade, olhos que me digam como ele é. Talvez eu não seja senão um cérebro numa cuba, que um cientista perverso se entretém a estimular, de maneira que eu pense os pensamentos e tenha as sensações que ele quer que eu pense e tenha.

O itinerário cartesiano
Aqui está Descartes aparentemente imerso num oceano de dúvidas: os sentidos, diz, enganam-me, a razão engana-me e, para complicar tudo, pode suceder que um génio maligno não faça senão enganar-me. Parece que a única certeza que tenho é de que duvido.

Mas, diz Descartes, "notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade — eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava" (Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 28). E, mesmo que um génio maligno persista em enganar-me, é, ainda assim, necessário que eu exista para ser enganado.

O cogito
"Penso, logo existo" — o cogito, como ficou conhecida esta crença — parece uma crença básica: uma crença que não se infere de coisa alguma. O cogito é uma intuição racional, uma evidência. Como seria possível duvidar dele? Se não é possível duvidar dele, então é o tipo de conhecimento que procuramos: resistente à dúvida.

A primeira premissa do argumento céptico da regressão infinita parece, pois, definitivamente falsa. Afinal, nem todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças; isto porque encontrámos uma que, aparentemente, não tem necessidade de qualquer outra que a justifique.

E a melhor parte é que é possível encontrar mais conhecimentos deste tipo: basta ver o que há no "penso, logo existo" que o torna indubitavelmente verdadeiro. E o que há, pensa Descartes, é isto: é que "vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir" (Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 28). Se isto é verdade, então o que quer que eu possa conhecer muito claramente — e, já agora, também muito distintamente — será verdadeiro.

Mas parece faltar um fundamento mais sólido a este conhecimento. Com efeito, do facto de eu ver clara e distintamente que, dado um triângulo, é necessário que a soma dos seus ângulos internos seja igual a dois ângulos rectos, ainda não se segue que haja no mundo qualquer triângulo. Como posso saber que não estou a alucinar ao pensar que existem triângulos? Na ausência de um fundamento mais sólido para o conhecimento, nenhuma razão temos para acreditar que, por mais claras e distintas que as nossas ideias sejam, elas tenham a perfeição de serem verdadeiras (Ver Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 33).

Deus
Sei que penso, e existo; mas, por vezes, duvido, e engano-me; logo, não sou perfeito. No entanto, tenho a ideia de perfeição; caso contrário, como poderia pensar que não sou perfeito? Mas de onde me chegou a ideia de perfeição?

Ou a ideia de perfeição foi criada por mim, ou a recebi do mundo exterior, ou me chegou de outro sítio qualquer. Mas a ideia de perfeição não pode ter sido criada por mim; isto porque não sou perfeito, e o imperfeito não pode criar o perfeito. Pela mesma razão, não a recebi do mundo exterior, uma vez que no mundo exterior nada parece haver mais perfeito do que eu mesmo. Logo, a ideia de perfeição só pode ter sido posta em mim por um ser absolutamente perfeito: Deus, para tudo dizer numa palavra (Ver Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 29).

Mas poderemos estar seguros de que Deus existe? Descartes pensa que sim. Isto porque, diz, um ser absolutamente perfeito é um ser que tem todas as perfeições; se não tiver todas as perfeições, então não será absolutamente perfeito. Ora, a existência é uma perfeição; isto porque de uma coisa que não existe dificilmente se pode dizer que é perfeita. Mais perfeita do que a casa dos meus sonhos é a casa dos meus sonhos tornada realidade. Logo, se Deus é um ser absolutamente perfeito, então necessariamente existe. E Deus é um ser absolutamente perfeito. Logo, Deus existe necessariamente.

O mundo
Se Deus existe e é perfeito, então não pode querer que eu esteja enganado acerca da existência do mundo ou das leis da natureza que Ele mesmo criou; isto porque, se o fizesse, não seria bom, e a bondade é uma perfeição; logo, o mundo existe, e eu posso conhecê-lo. "Na verdade, diz Descartes, aquilo mesmo que há pouco adoptei como regra, isto é, que são inteiramente verdadeiras as coisas que concebemos muito clara e distintamente, não é certo senão porque Deus é ou existe, ser perfeito de que nos vem tudo o que em nós existe. Donde se segue que as nossas ideias ou noções, coisas reais que provêm de Deus, não podem deixar de ser verdadeiras na medida em que são claras e distintas" (Descartes, Discurso do Método, Lisboa, Sá da Costa, 1982, p. 32).

Assim, Deus parece ser o fundamento de que Descartes carecia para alicerçar convenientemente o conhecimento sem erro que procurava. Descartes parece ter finalmente encontrado o seu rochedo, no meio de um mar de dúvidas. Mas terá ele resolvido o problema?

O fundacionismo cartesiano tem sido objecto de muitas críticas. Vamos referir aqui apenas três.

Críticas ao cogito4
Alguns filósofos pensam que Descartes foi longe demais ao afirmar "eu penso"; um deles, o filósofo Georg Lichtenberger, observou: "Deveríamos dizer 'há pensamento' exactamente como dizemos 'troveja'". A ideia é que a referência a um "eu" como sujeito do pensamento é abusiva. Não dizemos que alguém troveja, mas que uma trovoada está em curso; analogamente, diz Lichtenberger, Descartes não pode pretender escapar à dúvida nomeando um "eu" que pensa: tudo o que pode dizer é que "há um pensamento em curso".

Se devemos levar a sério a hipótese do génio maligno, então não temos mais razões para acreditar no "eu" que pensa do que no "eu" físico, histórico e social. Neste ponto, o argumento de Descartes parece ser o seguinte:

Não posso duvidar da minha existência; mas posso duvidar da existência de corpos; logo, não sou um corpo.
É discutível que seja este o argumento de Descartes; mas, se é esse, é falacioso. Considere-se o seguinte contra-exemplo5:

Não posso duvidar de que estou aqui na sala; mas posso duvidar de que uma pessoa que está aqui na sala receberá amanhã más notícias; logo, eu não sou uma pessoa que receberá amanhã más notícias.
O círculo cartesiano
O cogito, só por si, dificilmente poderia constituir um fundamento sólido para o conhecimento. De facto, é a existência de Deus que garante a Descartes que não se engana quando pensa clara e distintamente. Mas, por outro lado, parece que Descartes só pode saber que Deus existe porque compreende clara e distintamente a Sua existência, a existência de um ser perfeito.

Se este é o argumento de Descartes, como pensam alguns críticos, então é falacioso, pois trata-se de um argumento circular: para saber que as ideias claras e distintas são verdadeiras, tenho primeiro de saber que Deus existe; mas, para saber que Deus existe, tenho primeiro de saber que as ideias claras e distintas são verdadeiras.

Será que da ideia da perfeição se segue que existe um ser perfeito?
A terceira e última crítica que referiremos aqui questiona a validade da demonstração cartesiana da existência de Deus a partir da ideia de causalidade.

Vimos anteriormente Descartes argumentar que a ideia de perfeição só pode ter sido causada por um ser perfeito; mas, para alguns críticos, esta ideia está longe de ser clara e distinta. Quem nos garante que não é ainda o génio maligno a manipular a nossa mente, e a enganar-nos quando pensamos que a ideia de perfeição só pode ter sido causada por um ser perfeito? Na verdade, Descartes ainda não afastou completamente a hipótese do génio maligno.

E, afinal, que razões temos para acreditar que a ideia de perfeição tem de ser causada por um ser perfeito? Teremos sequer razões para acreditar que tal ideia tem de ser causada? Posso ter a ideia de uma pessoa perfeitamente pontual, por exemplo. Será que esta ideia exige uma causa perfeitamente pontual? Isto não parece fazer sentido. Talvez a ideia de uma pessoa perfeitamente pontual acabe por ser a definição de uma pessoa perfeitamente pontual. Mas a definição de uma pessoa perfeitamente pontual é uma ideia que posso ter sem jamais ter encontrado tal pessoa, ou mesmo que tal pessoa não exista (ver Simon Blackburn, Pense: Uma Introdução à Filosofia, Lisboa, Gradiva, 2001, p. 43).

Parece, pois, que Descartes não conseguiu demonstrar satisfatoriamente a existência de Deus; e, se não conseguiu demonstrar satisfatoriamente a existência de Deus, então o cogito não é garantia suficiente de um conhecimento à prova de erro. Por isso, alguns filósofos pensam que Descartes não conseguiu resolver satisfatoriamente o problema e que, se queremos refutar definitivamente o céptico, teremos de encontrar outros fundamentos para o conhecimento.

É desse modo que pensam os fundacionistas clássicos como Locke, Berkeley e Hume.

Artur Polónio

Notas
Claro que, se o céptico pensa ter um bom argumento, então a sua posição resulta consideravelmente enfraquecida; isto porque o céptico não pode pretender ter um bom argumento e duvidar da lógica; ora, se o céptico não duvida da lógica, então a sua posição resulta consideravelmente enfraquecida. Mas essa é uma discussão que não faremos aqui.
Sabemos que este argumento é dedutivamente válido porque tem uma forma válida. A sua forma é conhecida por modus tollens.
Um argumento válido com pelo menos uma premissa falsa tanto pode ter uma conclusão verdadeira como falsa; logo, o facto de um argumento válido ter uma premissa falsa não é uma condição suficiente, embora seja uma condição necessária, para ter conclusão falsa.
Para as críticas ao cogito, ver Simon Blackburn, Pense: Uma Introdução à Filosofia, Lisboa, Gradiva, 2001, pp. 37, 38.
Um contra-exemplo a um argumento dado é um argumento com a mesma forma do argumento dado, mas claramente inválido.
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